Angélica Cristina Souza foi condenada por tráfico internacional de drogas na Índia — Foto: Arquivo Pessoal
O advogado que auxiliou na
repatriação de uma criança brasileira que viveu por mais de quatro anos em um
presídio em Nova Délhi, na Índia, classificou a atuação diplomática do estado
brasileiro como omissa.
Na última sexta-feira (8),
Angélica Cristina Souza, de 33 anos, de Tupã (SP), condenada por tráfico
internacional de drogas em 2018 no país asiático, retornou ao Brasil com o
filho, um menino de 4 anos que viveu com ela em um presídio indiano desde seu nascimento.
Os dois desembarcaram em São Paulo, no Aeroporto Internacional de Guarulhos
(GRU).
Em 2021, a Comissão de Direito
Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ) tomou
conhecimento do caso envolvendo a brasileira que deu à luz no presídio em Nova
Delhi, após ser abordada, presa, julgada e condenada enquanto estava grávida.
Segundo o advogado Carlos
Nicodemos Oliveira da Silva, presidente da Comissão de Direito Internacional da
OAB-RJ, o governo brasileiro sabia do caso desde 2018. No entanto, segundo ele,
a falta de interesse diplomático fez com que a criança vivesse os primeiros
anos da infância privada de liberdade.
O Ministério das Relações
Exteriores informou que a embaixada brasileira no país acompanhou o caso, com
"visitas regulares" e "entrega de itens de necessidades
básicas" à mulher (confira o posicionamento completo abaixo).
"Essa história existe
desde maio de 2018, e em agosto daquele ano, as autoridades brasileiras na
Índia tomaram conhecimento da gravidez, tanto que a criança foi registrada e
nasceu na embaixada do Brasil", pontua o advogado.
"Trata-se não só de
omissão do estado brasileiro, mas também de uma violação estrutural e
institucional do estado brasileiro no campo diplomático. Essa solução deveria
ter sido encontrada lá em 2018", complementa.
Desde então, a Comissão
trabalhou para transferir a pena da mãe da criança para o Brasil, para que,
assim, também fosse possível trazer a criança que vivia há quatro anos na
cadeia.
Nascido em 2019 e prestes a
completar 5 anos no próximo dia 25 de dezembro, o menino ficará sob guarda
provisória da avó materna, que mora em Tupã, no interior de SP, enquanto a mãe
cumpre o restante da pena em solo brasileiro.
De acordo com o presidente da
Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, o menino precisará passar por um
período de adaptação, já que, além do trauma pela privação da liberdade, tem
dificuldades na comunicação em português. Por outro lado, o estado de saúde
dele é considerado bom.
"Ele ficou muito abalado,
viveu com a mãe durante quase cinco anos dentro do presídio. Fala hindu e um
pouco de inglês, mas não fala português, só algumas palavras. Está se
comunicando basicamente de maneira gestual e está se integrando à família da
avó. O estado de saúde dele é bom, inclusive com laudos médicos emitidos pelas
autoridades da Índia", revela o advogado.
Com o retorno da dupla ao
país, o advogado Carlos Nicodemos espera que o estado brasileiro reconheça o
erro e possa reparar o dano causado à criança.
"Pensa-se em modular uma
ação reparatória que indenize a criança por ter permanecido quase cinco anos
dentro de um presídio, violando todas as normas internas e, inclusive, a
convenção dos direitos da criança da Organização das Nações Unidas, a Onu",
sentencia.
O caso
A brasileira Angélica Cristina
Souza, de 33 anos, vivia em Tupã, no interior de SP, quando embarcou em 2018
para a Índia com cápsulas de cocaína no estômago e foi presa ao desembarcar em
Nova Délhi, capital do país asiático.
Ela estava grávida quando foi
detida, julgada e condenada. O menino nasceu em 2019 e desde então viveu a
infância no presídio em Nova Délhi.
"A Angélica foi levada a
um tribunal três meses depois da prisão, onde confessou o crime e informou que
estava grávida", revela o presidente da Comissão de Direito Internacional
da OAB-RJ.
A Comissão de Direito
Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, em conjunto
com a Procuradoria, pediu apoio à transferência de Angélica, após verificar
"nítida violação de direitos humanos".
Com o retorno, a brasileira
foi encaminhada a uma unidade prisional no estado de SP e seguirá cumprindo a
pena de dez anos imposta pela Justiça indiana no Brasil. A criança, por sua
vez, ficará sob guarda provisória da avó materna, que mora em Tupã.
Angélica cumprirá a condenação
seguindo a legislação brasileira e terá direito a progressão de regime, se
assim a Justiça brasileira determinar.
"Ela já cumpriu cinco
anos, tendo direito, pela Legislação brasileira, a uma progressão de regime, do
fechado para o semiaberto. Se ela cumprir mais um ano e 7 meses da pena, ela
terá direito a liberdade condicional, aplica-se todas as normas e leis
daqui", explica o advogado.
A operação de retorno de mãe e filho contou com o apoio do Ministério das Relações Exteriores, a Polícia Federal e a Embaixada do Brasil em Nova Délhi.
Em nota, o Ministério das
Relações Exteriores afirmou que a embaixada do Brasil em Nova Délhi prestou
assistência consular desde 2018, quando a cidadã foi presa na Índia por tráfico
internacional de entorpecentes.
Durante o período, foram
realizadas "visitas regulares ao estabelecimento prisional no qual a
brasileira se encontrava encarcerada, ocasiões na qual eram entregues à cidadã
itens de necessidade básica", pontuou o Itamaraty no comunicado.
Por fim, o Ministério afirmou
que a embaixada realizou gestões junto às autoridades indianas com vistas a
providenciar o tempestivo registro de nascimento do menor e que, com o retorno
da dupla ao Brasil, o caso é de competência do Ministério da Justiça e
Segurança Pública (MJSP).
G1