Dedicar tempo e cuidado aos
filhos é a realidade de muitas mães, e com Ana Paula Caetano da Silva, de
Rancharia (SP), não seria diferente, exceto pelo fato de seus gêmeos, Leo
Kaiury e Lucca Kalleby de Carvalho, de apenas três anos, enfrentarem uma doença
ainda sem diagnóstico e que compromete de forma progressiva a saúde. Uma
situação que exige da mãe o dobro de energia em qualquer atividade básica.
Os irmãos não sentam, não
andam e, recentemente, começaram a se alimentar com o auxílio de sondas
nasoenterais devido à dificuldade de deglutição. Neste cenário, a mãe é
dividida entre o sofrimento de ver os filhos travando uma batalha pela
sobrevivência e a força de lutar para oferecer-lhes uma qualidade de vida
melhor.
“Eles são o presente que o
Senhor me deu. Eu tenho muito orgulho de ser mãe do Leo e do Lucca,
independentemente de serem crianças especiais, eu sou a mãe mais feliz do
mundo, porque eles me dão alegria e força. Quando tudo está difícil na nossa
vida, eles sempre estão com um sorriso no rosto. Isso me dá força para lutar
por eles e brigar com o mundo, se for preciso”, relatou a mãe, emocionada.
Embora o diagnóstico ainda
seja desconhecido, o tratamento para a anomalia genética dos meninos consiste
em sessões de fisioterapia respiratória e motora, terapia ocupacional,
fonoterapia, psicoterapia e nutrição, tratamento possível graças à Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) ranchariense, onde as crianças são
assistidas por uma equipe multidisciplinar de especialistas, que inclui a
médica pediatra Cecilia Helena Perroud Uchôa, que os acompanha há cinco meses.
“As crianças são portadoras de
uma doença genética ainda em investigação e já realizaram alguns exames, como o
painel DNAmplo, para mais de 150 doenças neuromusculares, com resultado
negativo. Desde os primeiros meses de vida deles, notou-se atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor”, observou a médica.
Essas anomalias
neuromusculares, segundo a especialista, incluem um grupo de doenças de
etiologia hereditária ou congênita, muitas vezes de caráter progressivo, que
podem afetar os componentes do sistema nervoso periférico, responsável por
conduzir informações de movimento e sensibilidade através da medula espinhal,
dos nervos e músculos.
“As doenças neuromusculares são relativamente raras e levam a um comprometimento significativo da qualidade de vida do paciente”, atestou Cecilia.
Diante disso, os irmãos, que
também são acompanhados por outras unidades, aguardam a possibilidade de
realização do exoma, um amplo exame genético capaz de identificar eventuais
alterações no DNA por meio da análise das regiões codificadoras do genoma.
Em nota, nesta sexta-feira
(19), o Departamento Regional de Saúde (DRS) de Presidente Prudente (SP)
informou que os pacientes gêmeos estão sendo assistidos, desde 2020, por meio
dos serviços prestados pelo Ambulatório Médico de Especialidades (AME) e pelo
Hospital Regional (HR), ambos localizados na maior cidade do Oeste Paulista.
Além disso, também estão sendo
acompanhados pela entidade assistencial Lumen Et Fides e pelo Hospital
Beneficente Unimar, em Marília (SP), “tendo passado por tratamentos nas áreas
de neonatologia, pediatria sífilis, neurologia pediátrica, gastroenterologia
pediátrica, nutrição, fisioterapia e serviço social”.
Ainda de acordo com o DRS, que
é um órgão da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, um dos pacientes
possui agendamento para o dia 23 de janeiro, no AME, em Presidente Prudente, e
no dia 6 de fevereiro, no Hospital Universitário, em Marília. Já o outro
paciente possui agendamento de retorno para o dia 6 de fevereiro, também no
Hospital Universitário, em Marília.
Da placenta para a vida 🤰
Os meninos, que nasceram
prematuros de 34 semanas, ficaram internados na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) neonatal por cerca de 15 dias, resistência que começou ainda na gestação
da mãe, momento em que quase perderam a vida devido ao começo de um aborto e à
formação de um coágulo sanguíneo no útero.
Desde então, Ana Paula da
Silva tem sido o alicerce que sustenta a família formada por quatro pessoas,
incluindo ainda um outro menino, de oito anos, que é o irmão mais velho dos
gêmeos.
Mãe solo, a jovem, de 29 anos,
recebe ajuda do pai, da mãe e de um programa de transferência de renda, no
entanto, precisa equilibrar o que ganha com as despesas de casa, os gastos com
aluguel e as necessidades das crianças, já que abdicou de tudo para cuidar
exclusivamente e em tempo integral dos filhos: um trabalho de cuidado
invisibilizado que, inclusive, foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), em 2023.
“A gente tem que abrir mão de muitas coisas para cuidar de crianças especiais. A rotina muda. Não é fácil. Eu saí do emprego, excluí as baladas, perdi muitas amizades, mas Deus colocou pessoas boas no meu caminho para me orientar. O Leo e o Lucca foram a melhor escolha que eu fiz até hoje. Eu não me arrependo de nada, de estar com eles, de lutar por eles, de brigar com o mundo para conseguir um suporte melhor para eles, para que eles possam melhorar”, desabafou a mãe.
Da placenta à vida, os irmãos
seguem dividindo a história de luta que fortalece a fé da mãe e a incentiva a
lançar âncora no mar da esperança, onde nem as tempestades ou as gigantescas
ondas que quebram no casco do barco dos Silva a fazem desistir de chegar ao
destino final: o bem-estar dos pequenos.
“Eu tenho um amor
incondicional por eles. Eles são a minha alegria. Independentemente das
circunstâncias, eles são tudo para mim. Se Deus deu, é porque ele sabia que eu
seria capaz de cuidar desses dois anjos. É por causa deles que, hoje, eu sou
uma pessoa melhor. Eu admiro a mãe que eu sou para eles, porque não é qualquer
mãe que passa pelo que eu passo e segue lutando com essas duas crianças e com o
meu filho mais velho, o Davi Miguel, que me ajuda muito”, enfatizou ao g1.
Rotina dividida 🤲
Há três anos, Ana Paula divide
a rotina entre o hospital e a casa da família. À noite, quando os gêmeos choram
devido às dores no corpo e às febres inesperadas, a mãe se esforça para tentar
fazê-los se sentir melhor, no entanto, a incerteza do que realmente está
causando sofrimento aos pequenos torna tudo mais difícil.
Para além de exames
complementares e abordagem terapêutica, essenciais ao tratamento
independentemente de diagnóstico, os irmãos aguardam a realização de duas
cirurgias: uma de antirrefluxo e outra de gastrostomia, para a inserção de uma
sonda alimentar. Visando a arrecadar fundos para custear eventuais despesas que
possam surgir ao longo do tratamento, Ana Paula até criou uma vaquinha on-line.
“Fiz essa vaquinha para conseguir alguns benefícios para eles, como pagar exames caros que o ‘postão’ [unidade de saúde pública municipal] não cobre, remédios complementares, cadeiras de rodas, que eles estão precisando urgentemente, para melhorar a qualidade de vida deles”, afirmou.
A Secretaria Municipal de
Saúde de Rancharia afirmou que “sempre deu total suporte aos pacientes em
questão com medicamentos manipulados, transporte e consultas”.
“Alguns desses medicamentos,
inclusive, mediante mandado judicial, pois são de alto custo, a Prefeitura não
pôde oferecer sem ordem da Justiça, já que o Tribunal de Contas do Estado de
São Paulo faz apontamentos”, observou.
Ainda conforme a pasta
municipal, “no caso de um atendimento especializado, o encaminhamento deve ser
feito pelo Hospital de Presidente Prudente, no qual a família já teve o
especialista neurologista agendado para o dia 23/01, na próxima terça-feira”.
‘Diagnóstico não é destino’ 💙
Sob a ótica médica, a
reabilitação dos irmãos tem importância fundamental, por meio de terapias
específicas, de estímulos sensoriais e cognitivos, além de equipamentos que
auxiliem na manutenção da postura, “de modo a manter as vias aéreas livres de
secreções e os pulmões devidamente expandidos”.
“Considerando a vida com
dignidade um direito fundamental, e a inserção da criança na comunidade e
convívio familiar como parte de uma vida digna, é muito importante que o Lucca
e o Leo sejam seguidos de forma rigorosa e não fiquem sem as medicações e suplementações
necessárias para o controle ou estabilização do quadro clínico e sintomas”,
reforçou a médica Cecilia Uchôa.
Apesar de o quadro clínico de
Leo Kaiury e Lucca Kalleby indicar que a doença é progressiva, o esclarecimento
diagnóstico trará conforto e segurança para a família e direcionará o
tratamento e as terapias, “visto que algumas doenças respondem de forma específica
a determinadas medicações”, segundo a pediatra.
“Afinal, diagnóstico não é
destino e incurável não quer dizer intratável! Podemos trazer vida aos dias
dessas crianças e proporcionar maior qualidade e conforto para elas e para a
família”, concluiu.
G1